A Psicanálise em tempos difíceis
Home Blog artigos A Psicanálise em tempos difíceisTemos vivenciado dias difíceis, ultimamente, nos quais nossa rotina mudou, sem pré-aviso. Perdemos nossos hábitos, algo que nos estruturava, nossa segurança, nossas referências estão desaparecendo. Visto que ao nosso redor o mundo inteiro está sem respostas, as autoridades vão tateando por tentativas, acerto e erro, a cada notícia provamos assombro, perplexidade. Inundados de informações permanecemos na obscuridade. O inimigo é invisível! O contexto que vivemos pode ser sentido como o nosso pior pesadelo. Diante de tanta angústia, vulnerabilidade, qual é a contribuição da psicanálise? O que os psicanalistas teriam a dizer?
A psicanálise não é um mero instrumento externo destinado a incrementar a capacidade de adaptação do indivíduo, como um aparato da psicologia comportamental. Mas, ao contrário, consiste no despertar de uma abertura, uma abertura para o psíquico promovendo um contato consigo mesmo, a psicanálise dentro de cada um. Este período é de tumulto, “too much”, assim, pelo excesso, pela violência, nossa condição humana de desamparo, solidão, dependência e incerteza é despertada. O temor de morrer, o entrar em contato com nossa finitude, é a “raspa de tacho” de nossa alma que está exposta, é tanta dor e frustração. É possível estar consigo mesmo? É possível acompanhar-se? Ter acesso à psicanálise dentro de nós mesmos? Quando não é possível entrar em contato com estes sentimentos, com a experiência emocional, instala-se uma dinâmica psíquica de ameaça e persecutoriedade. A pessoa acaba evadindo-se, fugindo da própria existência, “des-existindo”…A dor é insuportável e assim, recorre às defesas que se interpõe à experiência de estar consigo mesma, a mente permanece paralisada, ocupada pela onipotência, arrogância, negação… Tomada pelo estado de guerra, as referências internas ficam perdidas…
“Fluctuat nec mergitur” é o mote de Paris que tanto encantou Freud, “Açoitado pela tempestade, mas não submerso”. O psicanalista é uma pessoa real que, portanto, sente, sofre seus sentimentos. Nós, psicanalistas, assim como nossos pacientes tememos permanecer envoltos na turbulência tempestuosa das ansiedades primitivas que o sentir convoca diante da ameaça que estamos vivendo; afinal, na pandemia o real e o imaginário parecem que coincidem, algo assustador. “Não se espera que um oficial esteja inconsciente de uma situação aterrorizadora e perigosa; espera-se, no entanto, que ele seja capaz de continuar pensando caso se encontre em uma posição em que surja o pânico, o medo…” (Bion, 1979, p. 171). E, para isto, complementaria, é necessário que ele esteja em sua própria companhia.
Nesta pequena contribuição decidi minha escrita a partir do que sinto e então, do que consigo pensar: arrisco diante de algo inusitado para mim, para todos nós. Acho de fundamental importância para o psicanalista fazê-lo, visto os ataques que temos sofrido a nossa capacidade de pensar. É procurar expandir nossa solidariedade propiciando nesta conversa uma interlocução interna, única e preciosa para cada um. Afinal, o isolamento físico não precisa ser psíquico ou, como dizia meu primeiro analista, muitos anos atrás, a pior solidão é não estar acompanhado de si mesmo. Por outro lado, penso que nós, que tivemos o privilégio de ter tido contato mais profundo com a psicanálise, precisamos eticamente oferecer nosso depoimento exercendo nossa cidadania em tempos tão difíceis como este!
* Anne Lise Sandoval Silveira Scappaticci é psicanalista, membro Efetivo Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Doutora e Mestre em Psicologia Médica pelo Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp). Psicóloga clínica formada pela PUC-SP e pela Università degli Studi La Sapienza di Roma. Terapeuta familiar pela Scuola Romana di Terapia familiare e Psicanalista Infantil pela Tavistock.
One reply on “A Psicanálise em tempos difíceis”
Estes escritos são mesmo uma Excelente contribuição para todos nós. A Psicanalise dentro de nós!!! Obgda