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Carta de Adelheid Koch para sua filha Eleonore Koch

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Caros colegas,

No dia 3 de agosto, assistimos na SBPSP ao belo filme “As Cores e Amores de Lore” (2024), com a presença do cineasta e diretor Jorge Bodanzky e da roteirista Bruna Callegari. O filme mostra a trajetória pessoal e artística de Eleonore Koch, filha da médica e psicanalista Adelheid Koch, um dos pilares de nossa Sociedade. Através de um diálogo franco e emocionante repleto de reflexões profundas e por vezes com uma pitada de humor, Lore, como Eleonore era carinhosamente chamada, conta sua vida, fala sobre seus amores, sua arte e suas dores. Estabelece uma relação de confiança com seu interlocutor, o cineasta Jorge Bodanzky, que soube com maestria conduzir a conversa com ela, respeitando seus silêncios e realçando seus aspectos criativos. Entre a música e a beleza dos quadros, o filme por si só é uma poesia que nos permitiu sonhar, voltar no tempo desde as agruras da saída da família Koch de Berlim num contexto pré-eclosão da segunda grande guerra, em 1936.

Tivemos em seguida à projeção do filme uma rica discussão com a plateia, cineasta e sua colaboradora Bruna Callegari. O clima emocional desta experiência ficou marcado em todos nós. Eu, como mediadora do encontro, fiquei de ler uma carta de Adelheid Koch para sua filha, Lore. No entanto, acabei me esquecendo de lê-la, o que teria fechado com chave de ouro nosso encontro por estar, penso eu, de acordo com o clima emocional gerado na reunião. Para reparar meu esquecimento e atender ao pedido de muitos colegas, decidi publicá-la em nosso blog.

Obrigada,  

Regina Lacorte Gianesi

Psicanalista, membro associado da SBPSP e coordenadora do Centro de Documentação e Memória da SBPSP.

— 

Sábado, 2 de agosto de 1947

Querida Lore,

Quando você estiver sentada no trem e as longas horas da noite passarem, os seus pensamentos estarão ocupados com o seu futuro e eu gostaria de acompanhá-la um pouco durante esse processo.

Eu sei que você está cheia de expectativas felizes, cheia de esperanças, cheia de vontade de empenhar todas as suas forças no que você gostaria de escolher como profissão. Mas nós também sabemos que há uma inquietação em você: porque mais do que a qualquer outra profissão, isso se aplica à de artista: não se pode “escolhê-la”, deve-se esperar e perceber se se é escolhido […].

Foi para você uma [2] grande alegria e uma grande satisfação, nos últimos anos, se aprofundar na obra dos grandes (artistas) e aprender com ela. Mas, ao mesmo tempo, há também um certo perigo em querer competir com e contra os maiores. Porque se nasce com o dom que pode levar à grandeza, não com a habilidade.

Talvez isso seja um certo perigo para você, que você tenha de competir com os outros (quero dizer também com seus colegas ou professores) a fim de encontrar segurança. Deixe isso de lado por um momento e olhe apenas para dentro, veja o que quer crescer e se formar a partir de você mesma e não pergunte se está “bom” ou “bonito” e se os outros gostam ou se outra pessoa faria algo melhor. Tenha confiança de que o que há em você é bom ou de que você pode fazer disso algo bom, se você sempre estudar mais para dominar o material e o trabalho manual.

[3] Acima de tudo, não tenha medo do fracasso. Você não é responsável por isso que a natureza lhe deu; você pode apenas ser responsável pelo que você faz do que foi dado a você. E se não ficar tão grande quanto você esperava, ainda assim pode ser algo bom e belo, do qual não é necessário se envergonhar. Se é nosso desejo que você se dedique completamente à arte, é porque nós acreditamos na sua seriedade. (Sobre essa seriedade, Yolanda também quis advertir você quando ela lhe disse que, para você, não deve haver distrações desnecessárias na próxima vez). Mas nós gostaríamos que a nossa confiança em você não se torne uma fonte de medo e insegurança diante do fracasso. Uma filha não-artista seria tão querida para nós quanto uma filha artista, desde que ela seja “fiel apenas a si mesma”. [4] Depende do bem que há em você o que você deve realizar — não importa em que forma ou em que substância. —

Ontem à noite nós nos entendemos ao som do vagaroso movimento do concerto de Mozart. E nesse sentido nós queremos pensar um no outro num futuro próximo!

Da sua,
mamãe 

(para ler a carta em alemão, clique aqui)
— 

[2] A partir daqui se inicia o fólio 1v, página 2 da carta.
[3] A partir daqui se inicia o fólio 2r, página 3 da carta.
[4] A partir daqui se inicia o fólio 2v, página 4 da carta. 


Imagens: Carta de Adelheid Koch (1947) 

Tradução: Natalia Zacchi (Letras na USP, linguista, filóloga e tradutora de inglês e alemão) 

As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores.   



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