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Entrevista: Adolescência e Depressão

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Neste mês de campanha de prevenção da Saúde Mental, Janeiro Branco, destacamos em nosso Blog a entrevista de Sonia Marchini, coordenadora do Laboratório de Adolescência da SBPSP, concedida a uma escola paulistana sobre Depressão na Adolescência.

1) Qual é a sua atuação profissional, onde estudou, qual a sua área de atuação, e quanto tempo atua sobre essa área?

Sou psicóloga clínica e psicanalista de crianças, adolescentes e adultos. Fiz psicologia na Universidade de São Paulo (USP) e formação em psicanálise na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Tenho consultório particular há 40 anos.

2) Como a adolescência afeta nossas vivências? De que forma, a partir dessa fase, o adolescente lida com todas as novas vivências dessa fase?

A adolescência é um período da vida de grandes transformações, tanto no que se refere ao corpo quanto na relação com o mundo. Ver-se habitante de um corpo tão mudado a ponto de parecer um corpo estranho, irreconhecível na imagem que o espelho mostra, diante de um mundo que se abre de modo incontrolável, em termos de possibilidades, não é pouca coisa! Assim sendo, a passagem pela puberdade e entrada na adolescência afeta profundamente aquele (a) que foi criança até há pouco tempo. Como o adolescente lida com tudo isso? Depende da bagagem que ele traz consigo, isto é, de suas vivências passadas. Seja no seio de sua família nuclear, pai, mãe e irmãos, na sua família estendida, avós, tios e primos, assim como no círculo social mais próximo, amigos da família, da escola, do clube etc. Enfim, cada um lida a seu modo. Encontrar, construir a sua própria maneira de lidar com tantas transformações é o grande e inescapável desafio desta etapa da vida.

3) Na adolescência, jovens têm a necessidade de se encaixar em grupos sociais, fazendo uso de álcool e drogas em muitos casos. Além disso, de ganharem, muitas vezes um grande aumento de responsabilidades. A senhora acha que esses fatores, podem causar depressão?

Para se tornar uma pessoa adulta com visão própria de si e do mundo o adolescente precisa afastar-se gradativamente da visão de seus próprios pais que, enquanto era criança, foi a que prevaleceu. Ele se sente desamparado, sozinho, sem chão e muito assustado com o tamanho da tarefa que este momento da vida lhe impõe. Tudo isso é vivido com  muita intensidade..  Igualmente forte e, provavelmente por isso mesmo, é a urgência de viver novas experiências, descobrir esse novo mundo. Necessita se sentir acompanhado nesse momento de seu trajeto. É aí que entram os amigos, seus iguais, porque vivem necessidades semelhantes. Pertencer a um grupo de amigos é, assim, fundamental para o jovem. Ele precisa sentir e saber como o veem, como reagem frente à pessoa na qual ele está se transformando. Precisa ter com quem partilhar seus anseios amorosos e sexuais, medos e incontáveis dúvidas com relação a seu futuro. A necessidade da aprovação e admiração do grupo será tão maior quanto maior for sua insegurança com relação ao seu próprio valor como pessoa, à sua potência e aos seus limites. É nesse sentido que a bagagem que traz consigo conta muito, isto é, o quanto ele se sentiu amado, reconhecido nas suas potencialidades e limitações, o quanto se sentiu acompanhado e contou com o apoio e presença dos seus pais, desde muito cedo; já na escola, o quanto sua individualidade foi respeitada e o quanto aprendeu e foi estimulado a enfrentar suas dificuldades para que seguisse se desenvolvendo. Na essência o que conta são as condições que cada um tem, tanto próprias quanto do ambiente, de enfrentar ou fugir das próprias dores e turbulências consequentes de tanta mudança.

Nesse processo o uso do álcool e das drogas não entra como causa do desenvolvimento de quadros mais graves de dificuldades emocionais, inclusive da depressão, que um jovem pode vir a apresentar. Da curiosidade em experimentar, muitas vezes para estar na moda, não ficar por fora, ao seu uso repetido a distância é relativa e, dependendo das condições internas de cada um, o jovem pode chegar a viver situações de alto risco. Isso porque o efeito de despertar euforia, de apagar transitoriamente as suas preocupações e amortecer as próprias dores pode levar a uma dependência cada vez maior do uso de tais substâncias.

Não diria que os jovens têm “necessidade de ganharem, muitas vezes um grande aumento de responsabilidades”. Se isso acontece, e infelizmente, com um número muito grande de jovens brasileiros este é o caso, é muito mais devido às circunstâncias externas independentes de que jovem se trate. O papel da família é fundamental. Se ela continua presente, agora nos bastidores, com seu cuidado e dedicação e se a escola acompanha atenta as transformações, juntas (família e escola), como forças reguladoras, oferecem ao jovem a sustentação necessária para que ele enfrente suas responsabilidades, que aumentarão, então, de modo gradativo. São uma espécie de guardrail da longa ponte a ser percorrida entre a infância e a entrada no mundo adulto. E, também, o aumento das responsabilidades, mesmo nos casos em que são excessivas e, por isso, potencialmente impeditivas do desenvolvimento de suas potencialidades a ponto de comprometer sua realização pessoal na vida futura, ainda assim, como a pessoa reage a tudo isso depende das circunstâncias internas e do seu entorno, já enumerado acima.

4) Quais seriam as melhores formas e tratamentos para lidar e curar a depressão?

De início, é importante esclarecer o que se considera depressão clínica, isto é, aquela que necessita ser tratada por profissional ou equipe de profissionais. É comum denominar-se “depressão” estados de tristeza, de isolamento passageiro (muitas vezes necessários), de luto (quando se vive uma perda muito significativa na vida da pessoa em questão), enfim, momentos de vida em que aparece o desânimo, nada parece fazer sentido e alimentar a esperança. Esses são estados emocionais vividos por todos nós, não importa a idade, ainda que em especial na adolescência. Devemos nos preocupar, no entanto, quando esses estados persistem, são duradouros: a pessoa se isola; só tem vontade de dormir ou troca a noite pelo dia, frequentemente conectada, trocando a vida virtual pela real, evitando assim o convívio com os outros, o que a dispensa de enfrentar os desafios sempre presentes na vida; não tem vontade de comer ou, ao contrário, torna-se compulsiva na ingestão de alimentos; descuida dos hábitos básicos de higiene. É então que se faz necessária a ajuda profissional do psiquiatra, do psicoterapeuta ou do psicanalista. Muitas vezes, inclusive, de uma equipe multidisciplinar, nos casos mais graves. E por que isso acontece? O que causa a depressão? Dentre as diferentes causas, de novo, as primeiras experiências no mundo contam muito. Os pais são o que são. Em geral, fazem o melhor que podem, mas eles chegam à função de pais com suas próprias bagagens que por vezes, podem ser muito pesadas. O quanto a carga genética e os fatores ambientais podem intervir como fatores desencadeantes da depressão é motivo de muita pesquisa e estudo. Mas, é importante não se perder de vista que cada caso é um caso. 

5) Quadros de depressão podem levar a suicídio. Quando falamos em um quadro que o paciente não foi tratado?

Sim, a depressão é uma, dentre diferentes situações clínicas, que pode levar ao suicídio. Em geral, alguém profundamente deprimido, a ponto de desistir de viver ou de achar que a morte é a única saída diante do desespero, dá algum sinal, por menor que seja, de que precisa de ajuda. Em casa, na escola, a um amigo mais próximo ou mesmo até a um conhecido, vizinho, com quem não tem nenhum vínculo afetivo. Infelizmente, em alguns casos, reconhece-se esse sinal tarde demais e a ajuda profissional não chega a tempo. É muito importante levar a sério alguém que diz, mesmo que em tom de brincadeira, “por que não acabar com a vida?”. A pessoa que o escuta, ainda que quem lhe diga peça segredo, não deve guardar para si essa informação. O fato dessa ideia passar pela cabeça de alguém é sempre um sinal de que ela esteja pedindo ajuda, mesmo que ela negue terminantemente. Considerar que ela quer chamar a atenção é uma escuta que precisa ser revista. Sim, quem dá sinais de que precisa de ajuda quer atenção, mas esta atenção é a de receber ajuda. A reação “Isso não é nada, passa” deve ser evitada de todo modo. E isso serve para a família, para a escola e para os amigos. Estes principalmente, se se tratar de alguém que os tenha. Investir na prevenção é fundamental.

Para finalizar, agradeço a oportunidade de dividir com vocês algumas das minhas reflexões sobre este tema tão preocupante nos dias de hoje. E mais, parabenizo-os pela escolha do tema, escolha que é, em si, um investimento na prevenção.

Muito obrigada!

Sonia Marchini é membro efetivo, docente e coordenadora do Laboratório de Adolescência da SBPSP. 

Imagem: Shutterstock (n. 2090936710

As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores.     



Comentários

2 replies on “Entrevista: Adolescência e Depressão”

Miriam Altman disse:

Sonia, gostei muito da sua entrevista, esclarecedora e muito importante. A prevenção é uma medida fundamental e pode evitar sérias consequencias nesse momento tão crucial na vida de uma pessoa, estou de pleno acordo com voce!
Está de parabens pela escrita fluida e clara de temas dificeis e atuais. Abraço

kelly disse:

Muito bom! gostei , bastante esclarecedor e linguagem acessível e transparente.

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