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Ferenczi: passado e presente

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Homenagear Sándor Ferenczi, que hoje completa 151 anos do seu nascimento, é relembrar a importância da sua existência no momento psicanalítico do século passado e na clínica psicanalítica atual. O psicanalista húngaro foi discípulo de Freud, sendo chamado por este de “meu amado filho”. Essa expressão tem uma força afetiva, mas também um peso. Um lugar nada simples de se ocupar.

Para além das promessas institucionais, presença marcante no comitê secreto, participação na fundação da IPA, Ferenczi recebia e lia em primeira mão os escritos de Freud. Foi interlocutor íntimo e direto até muito próximo do final de sua vida[1]. Na conferência por ocasião do 75º aniversário de Freud, em 6 de maio de 1931, Ferenczi menciona que Freud também era leitor primoroso de seus trabalhos, dando sempre a opinião franca, sem negar as diferenças. “(…) Nem ele nem eu cogitamos de interromper a nossa colaboração por causa dessas diferenças relativas ao método e à teoria; mas no que diz respeito aos mais importantes princípios básicos da psicanálise, estamos perfeitamente de acordo” (Ferenczi, 1931, p. 80). 

No entanto, é no ano seguinte que acontece o rompimento entre eles: declina do convite para candidatar-se à presidência da IPA e na sequência Freud teria recusado a dar-lhe a mão após escutar a conferência sobre suas ideias contidas no trabalho “Confusão de línguas entre os adultos e a criança”. Esse ano marca um profundo e sofrido desencontro entre eles, repleto da complexidade existente nas ligações humanas, especialmente as íntimas, palco para as ambivalências e desilusões.

Talvez por esse rompimento é que Ferenczi tenha ocupado, por muito tempo, espaço apenas nas biografias, história e nas severas críticas destinadas à sua pessoa e seu fazer clínico. Espaço este que não condiz com as relações que pôde construir como psicanalista. Foi o primeiro analista de Melanie Klein, num período decisivo de sua vida. Foi incentivada por ele a entrar no universo psicanalítico, em especial da análise de crianças. John Rickman[2] e Michal Balint também foram analisados por Ferenczi. Tais nomes pincelam sua importância também no seguimento do pensamento psicanalítico, tendo em vista as marcas conscientes e inconscientes que são introjetadas ao longo de uma análise.

A partir da década de 1980, Ferenczi foi saindo das estantes de livros e ocupando espaços cada vez mais férteis. Suas construções teóricas e inovações técnicas, a partir de certa lapidação, atenção e cuidado, são utilizadas hoje por diversos psicanalistas do Brasil e no mundo. Ferenczi é autor que ajuda a ser e estar na clínica hoje, permeada pelos traumas que contornam a subjetividade e atravessam a produção de sofrimento. O desamparo, tão presente em nossa condição humana, é intensificado pelos laços, ou falta deles, da liquidez e abandono que a sociedade contemporânea impõe. 

O autor reafirma a importância das vivências traumáticas, isto é, aquilo que ocorre na realidade e transborda a capacidade de continência. Amplia ao dizer sobre os retraumatismos ao longo da vida, quando se clama por olhar e cuidado – legitimidade sobre o vivido – e se recebe descrença (desmentido).

Ferenczi se aprofunda num fazer cujo estado de mente favorece a aproximação empática entre analista e analisando. Questiona se a causa do fracasso é mesmo as resistências do paciente e coloca o analista também no centro da questão. Pergunta “(…) não será antes o nosso próprio conforto que desdenha adaptar-se às particularidades da pessoa, no plano do método?” (Ferenczi, 1931, p. 81).

O contato sensível, ético, pautado na consistência da análise pessoal do analista, fazem parte de um estilo clínico necessário hoje não apenas aos casos graves, mas a todos que buscam escuta para suas diversas formas de sofrer. 

Tendo em vista as contribuições do autor para a psicanálise, destaca-se à postura acolhedora, empática, não intrusiva, construção de uma atmosfera de confiança para que a relação transfererencial possa ser uma “segunda chance”, ou seja, a reparação das falhas do objeto primário e do ambiente.

A pessoa do analista, sua postura e presença são constitutivas do processo em si.  O analista como uma pessoa real, que inevitavelmente falha e erra, que busca ter uma sinceridade consigo e com o outro; uma elasticidade que contém não de forma rígida, mas também não de forma flácida e que reconhece as tantas linguagens que podem trazer confusões. Ferenczi nos mostra que cada paciente é único e para alguns a neutralidade é um tipo de distanciamento que retraumatiza. A criança no adulto sente tal distância e revive seus desencontros.

Ferenczi (1931, p. 85) nos diz “é uma vantagem para análise quando o analisa consegue, graças a uma paciência, uma compreensão, uma benevolência e uma amabilidade quase ilimitada, ir o quanto possível ao encontro do paciente (…)”. Prossegue apontando para o efeito da postura do analista que contrasta com o vivido em seu núcleo familiar e relações primárias. Não havendo uma repetição e sim um ambiente seguro para mergulhar em seu passado em busca de elaboração.

Importante dizer que um analista afinado à escuta Ferencziana que tenha uma formação consistente não realiza as técnicas propostas pelo autor tal qual[3]. São adaptações amparadas pela ética pessoal, setting internalizado e introjeção do método psicanalítico.

Ferenczi é autor que esteve afastado do establishment e sofreu uma espécie de silenciamento e apagamento, mas que hoje ressurge. De Grão visir a enfant terrible, Ferenczi percorreu muitos lugares na cena psicanalítica daquele tempo. Sustentou seu ser e fazer e trilhou um caminho próprio. Como diz a música “Cada um sabe a dor e a delícia de ser quem se é”, Ferenczi mostra a nós, dada a publicação do diário clínico, como sentiu os prazeres e dores de sua vida.

Um analista inquieto, complexo, esperançoso e que inspira alguns de nós.

Referências: 

Ferenczi, S. A análise de crianças com adultos (1931). In: Psicanálise IV. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. (Obras Completas, volume 4).

[1] Ferenczi morreu em 22 de maio de 1933 de uma parada respiratória decorrente da doença que o acometia (anemia perniciosa). 

[2] Analista de Bion.

[3] Por exemplo a análise mútua. 

Marina Menita é psicóloga, membro filiado da SBPSP e integrante do grupo de estudos de Sándor Ferenczi na SBPSP coordenado por Osvaldo Luís Barison.

Imagem: Sándor Ferenczi, por Aladár Székely  

As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores.  



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