Freud nos nossos dias
Home Blog Sigmund Freud Freud nos nossos diasNo dia 6 de maio de 1856, há 167 anos, nascia Freud em Freiberg, cidade da Morávia, que pertencia ao Império Austro-Húngaro. Foi o primogênito de sete irmãos. Era filho de Jacob Freud, pequeno comerciante, e de Amalie Nathanson, ambos de origem judaica. Freud, fumante compulsivo de charutos, faleceu em Londres, no dia 23 de setembro de 1939, em decorrência de um câncer de laringe.
Ao longo de sua vida, mesmo declarando-se ateu, tinha interesse especial pelas questões religiosas. Abordou esse tema em: “Totem e Tabu” (1913), “Futuro de uma ilusão” (1926), “O mal-estar na civilização” (1929) e “Moisés e o monoteísmo” (1938). No texto “O futuro de uma ilusão”, escreveu que desde os primórdios da humanidade a religião é ilusão necessária aos homens para lidarem com seu desamparo frente ao que escapa do controle: fenômenos naturais, sociais, doenças, morte. Não obstante, considerava que o conhecimento científico seria a possibilidade racional para abandonar o mito religioso.
Do ponto de vista histórico, Freud situa-se entre os autores que conceberam a ideia do homem moderno. Em 1917, no texto “Uma dificuldade no caminho da psicanálise”, Freud descreve os “três severos golpes” que atingiram o amor próprio dos homens e que feriram profundamente seu narcisismo. O primeiro golpe, cosmológico, ocorreu no século XVI com as pesquisas de Copérnico que negaram a teoria geocêntrica de Ptolomeu, descobrindo a insignificância do planeta Terra diante da imensidão do Universo. O segundo golpe, biológico, deu-se com Charles Darwin e sua teoria do evolucionismo, mostrando a origem primitiva do ser humano e sua analogia com os animais. O terceiro golpe, de natureza psicológica, aconteceu com as descobertas da psicanálise que revelaram a existência do inconsciente comandando nossa razão. Para Freud, este terceiro golpe, ao afirmar que “o ego não é senhor de sua própria casa”, talvez seja o que mais fere o amor-próprio do homem.
Freud se integra, portanto, à tradição científica e filosófica que, nos últimos cinco séculos, vem traçando o caminho para a entrada definitiva do indivíduo na cena do pensamento moderno, libertando as questões humanas, o destino do homem em geral e a vida de cada indivíduo dos condicionamentos e pressupostos religiosos e metafísicos. Com Freud e com os psicanalistas que o seguiram, desenvolveu-se uma nova concepção do homem, a partir do método psicanalítico de investigação, por meio da descoberta do inconsciente, da realidade psíquica e do mundo interno de fantasias.
Freud em muitos momentos formulou hipóteses e procurou buscar na clínica a confirmação de suas intuições. Encontrou os fundamentos para sua obra, tanto na clínica quanto em suas observações a respeito de seus sonhos e de sua própria vida psíquica.
Em 1897 Freud conheceu Wilhelm Fliess, médico alemão, otorrinolaringologista e especializado em cirurgia. Tornam-se grandes amigos e, entre os anos de 1887 e 1904, estabeleceu com ele extensa correspondência expondo suas descobertas e o conhecimento, por meio de sua experiência pessoal, “dos paradoxos e das sutilezas de uma relação privilegiada e da necessidade de um interlocutor íntimo para o processo de autoanálise. A necessidade do “meu outro eu-mesmo”, como Freud denominou Fliess (André Green). Durante esse período, Freud publicou as obras com os fundamentos do método e da teoria que inauguram a psicanálise, dentre elas o “Projeto para uma Psicologia Científica” (1950[1887-1904]).
Em 1928, alguns anos após a morte de Fliess, sua viúva vendeu a correspondência para Reinhold Stahl, livreiro berlinense. Em 1937, diante da ameaça nazista, ele se refugia na França. Marie Bonaparte, psicanalista e grande amiga de Freud, compra os documentos e os leva para Viena oferecendo-os a Freud. Este, muito descontente, quer recomprá-los pela metade do preço, provavelmente com a intenção de destruí-los. Sua amiga recusa-se a entregá-los. Em 1938, quando a Áustria foi invadida pelos nazistas, as cartas e documentos são levados a Paris, ficando protegidos na Legação da Dinamarca até o final da guerra, em 1945. Bem depois da morte de Freud, as cartas e documentos chegam a Londres onde Marie Bonaparte, Anna Freud e Ernst Kris os estudam e, em 1950, publicam trechos selecionados. Apenas em 1985 a Correspondência Completa Freud-Fliess vem ao público.
Na época de sua descoberta, a Psicanálise causou impacto colocando-se na contracorrente da ciência oficial e influenciando todo o pensamento do século XX, o século da ‘modernidade’. Contudo, hoje, os psicanalistas enfrentam novos desafios, mas as descobertas atuais da neurociência confirmam muitas ideias de Freud, sobretudo as que estão escritas no Projeto.
Se por um lado esses progressos trouxeram grande desenvolvimento para o conhecimento dos processos bioquímicos do comportamento e das emoções – o que Freud já havia previsto que aconteceria em seu Projeto para uma psicologia científica –, por outro, tais progressos podem estar contribuindo para a aparente situação de declínio da Psicanálise no mundo. A sociedade exige métodos cada vez mais rápidos de tratamento e avaliações fundamentadas em resultados mensuráveis. Somam-se a isso, sobretudo nos países em que há subsídios governamentais para a saúde, as pressões políticas, sociais e econômicas que impõem tratamentos medicamentosos em detrimento não só da Psicanálise, mas também de outras abordagens psicoterápicas. Fala-se da ‘crise da Psicanálise’ e seu fim é frequentemente anunciado por meio de ataques constantes que a apontam como ultrapassada, precária, em face da ‘eficiência’ e da ‘rapidez’ das terapias comportamentais e de todo o arsenal medicamentoso que oferece a felicidade instantânea. Cabe a pergunta: vivemos de fato uma ‘crise’ da Psicanálise?
Nessa ‘crise’, os avanços e a disseminação dos remédios para a ‘cura’ dos distúrbios mentais e, até mesmo, dos ‘distúrbios comportamentais’ descritos nas classificações do DSM (Diagnostic and Statistical Manual), têm papel considerável. Essa ‘crise’ tem como uma de suas raízes necessidades criadas pela sociedade atual, ao exigir alívio imediato de qualquer desconforto, satisfação imediata do desejo e, sobretudo, afastamento de tudo que possa levar ao contato com vida psíquica. Contudo, proliferam terapias das mais diversas ordens que se intitulam “Psicanálise”, aproveitando-se do seu prestígio, o que mostra que o método psicanalítico continua sendo admirado e imitado, embora, inúmeras vezes, sem a devida profundidade.
No final do século XIX e início do século XX, a Psicanálise esteve na contracorrente das certezas do homem a respeito de sua razão soberana e na contracorrente do puritanismo. E agora? Como continuar na contracorrente? Como não mais se limitar apenas à questão da liberdade pessoal do indivíduo, cujas conquistas devem muito à Psicanálise em si, mas situar-se na contracorrente da permissividade vigente na sociedade dos tempos atuais? Em que a Psicanálise atual pode contribuir para o resgate do que, de maneira ampla, denominaríamos de ‘valores humanos’?
Referências bibliográficas
Green, André (1972) – Do “Projeto” à “Interpretação dos Sonhos” – Ruptura e fechamento; Revista Brasileira de Psicanálise, vol. 44 nº 1 São Paulo 2010, tradução Ligia Todescan Lessa Mattos e Ana Maria Andrade de Azevedo.
Mannoni, Octave (1994) – Freud, uma Biografia Ilustrada, Editora Zahar.
Mattos, Ligia (1919) – Introdução ao Módulo I, Parte I, curso do Instituto de Psicanálise Durval Marcondes da SBPSP.
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Ligia Todescan Lessa Mattos é psicanalista, membro efetivo da SBPSP, docente e analista didata do Instituto de Psicanálise Durval Marcondes da SBPSP.
Imagem: Sigmunf Freud, por Max Halberstadt (Wikipedia)
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2 replies on “Freud nos nossos dias”
Brilhante
Ótimo resumo da vida de Freud, e alguns bons questionamentos, Ligia!