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O incesto e o abuso sexual

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Por Claudio Castelo Filho *

Trabalho como psicanalista em meu próprio consultório há 32 anos. E já há algum tempo fui convidado pelo ilustre colega e amigo, grande pioneiro neste campo, o professor doutor Claudio Cohen, a colaborar, como supervisor convidado, com o Centro de Estudos e Atendimento Relativo ao Abuso Sexual (CEARAS) do Instituto Oscar Freire na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. É onde acontece um extenso trabalho de pesquisa e psicoterapia com famílias incestuosas (pais com filhas/filhos, irmãos entre eles, mãe/filhos/filhas, avós/netas/netos, padrastos/madrastas/enteados, tios etc.), que revela o quanto a situação é ampla na sociedade, das classes mais baixas às mais privilegiadas. No trabalho feito com famílias encaminhadas por fóruns de justiça e que estão, portanto, sendo acompanhadas juridicamente, tratamos do grupo (família), que percebemos como “um indivíduo”, assim como no consultório analítico também podemos entender que uma pessoa é um “grupo de entidades”. Neste trabalho do CEARAS, em que a dimensão psíquica da situação é a prioridade, não é possível, por exemplo, haver uma “discriminação simplificada” entre vítima e algoz, pois o que se verifica é uma questão dinâmica de todo o grupo, em que a capacidade para pensar e simbolizar em geral é muito precária (o que não implica obviamente na desresponsabilização dos adultos envolvidos). O trabalho é focado na captação dessa problemática, na sua exposição e possível conscientização, para que se possa desenvolver alguma possibilidade de ela ser pensada e elaborada, visto que admoestações morais e repressão policial podem ser muito úteis e importantes para o grupo manter sua organização social, mas insuficientes e quase sempre inúteis para uma efetiva realização por parte da família e de seus membros do significado psíquico desse tipo de atuação.

Freud, Klein e Bion perceberam o aspecto fundamental da existência do tabu sobre o incesto, intrinsecamente associado ao desenvolvimento da capacidade para reconhecer e lidar com frustração, o que implica no crescimento da capacidade para pensar dos seres humanos, algo essencial no processo civilizatório. Sem isso, em pouco ou nada nos diferenciamos dos outros mamíferos superiores ou das feras selvagens, que permanecem sempre potenciais dentro de nós. Não obstante, o que se verifica é que essa capacidade civilizatória e para pensar é muito mais incipientemente desenvolvida do que se costuma acreditar. O que se observa, na prática, é que os aspectos mais primevos encontram pouco equipamento mental para elaborá-los e o incesto e o abuso sexual (além de toda a violência que observamos no cotidiano, o que não é novidade na história de nossa espécie) são muito mais comuns do que o tabu que os envolve leva a crer.

* Psicólogo formado pela Universidade de São Paulo e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, Claudio Castelo Filho é membro efetivo e analista didata da SBPSP, doutor em Psicologia Social e professor livre docente em Psicologia Clínica pela USP. Castelo Filho é autor do de “O Processo Criativo: Transformação e Ruptura” (Ed. Blucher, 2015) e produziu este texto como parte da apresentação que fará na “I Jornada Sobre Abuso Sexual – Consequências para a subjetividade – Prevenção”, que a SBPSP realiza nos dias 1 e 2 de abril de 2016.



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