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O íntimo, o estranho e o duplo no mundo digital

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Vera Lamanno Adamo*

Be right back (Volte já), é o título do primeiro episódio da segunda temporada de Black Mirror, um seriado em exibição, criado pelo inglês Charlie Brooker.

Este episódio começa mostrando os personagens Ash (Domhnall Gleeson) e Martha (Hayley Atwell) mudando-se para uma remota casa de campo. Nos primeiros minutos nos deparamos com cenas corriqueiras de um jovem casal criando uma intimidade. Ele às voltas com o celular, ela tentando ser vista e ouvida. A intimidade sendo construída na constatação do estranho em si mesmo e no outro. O estranho remetendo àquilo que é o mais intimamente familiar. O estranho garantindo o íntimo e vice-versa.

Este cotidiano é abruptamente interrompido pela morte de Ash em um acidente de carro. A integridade de Martha fica ameaçada. Inconformada com limitações e com a mortalidade, Martha constrói um duplo (Ash/digital/androide) que, a princípio, é benevolente, pois protege o seu eu de fragmentação e aniquilamento. Eles formam um casal unitário, são praticamente um. Ash/androide é o reflexo e o complemento de Martha.

Entregando-se à onipotência do pensamento e valendo-se do artifício do mundo digital, Martha tenta manter Ash imortal para satisfazer o desejo narcísico de preencher a expectativa nostálgica do ideal. Mas o duplo benevolente, que antes bastava para protegê-la contra a solidão e o desamparo não é totalmente eficaz. Ash/androide acaba tornando-se o representante da morte. Um estranho anunciador da limitação e da alienação.

O androide de Ash não sangra, age de forma programada no sexo e só se revolta quando solicitado por Martha. Ela não consegue lidar com o papel de administradora de um Ash/androide feito apenas para satisfazer seus desejos. Isto leva Martha a querer destruí-lo. “Você é sinistro”, ela diz.

A cena final de Be right back acontece vários anos mais tarde e mostra Martha levando sua filha (Indira Ainger), agora com sete anos de idade, até a casa de campo, onde ela está mantendo o Ash/androide trancado no sótão. Ela permite que sua filha o encontre nos fins de semana. Enquanto sua filha está no sótão com o androide, Martha espera com lágrimas no rosto, antes de se juntar a eles.

Apesar de eficiente e tão próximo da realidade, o duplo não eliminou a angústia. A cópia não substituiu o original e não foi totalmente satisfatória. Criar um duplo é apenas um dispositivo psíquico utilizado para neutralizar o eu fragmentado, em vias de aniquilamento, até que se siga adiante.

O duplo, ao mesmo tempo exterior e íntimo, está logo ali: no quarto ao lado, no sótão, na mesma estrada, no black mirror, apto a representar tudo que nega a limitação do eu, apto a encenar o roteiro fantástico do desejo.

 

Texto publicado na íntegra na IDE, n.63, 2017

 

Vera Lamanno Adamo é membro efetivo e analista didata do GEPCampinas e da SBPSP.

 

 

 

 



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