O psicanalista no hospital
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Por Marília Ribeiro Alves*
“As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos.” (Rubem Alves)
Como é trabalhar com uma equipe multidisciplinar e não sozinho? Como é trabalhar sem o divã, sem agendamentos, sem horários fixos e sendo interrompido a todo instante? Como é trabalhar em um setting tão diferente do habitual? São perguntas que o psicanalista se faz quando pensa em trabalhar em um hospital.
O hospital é um lugar onde vários profissionais com formações diferentes atendem pessoas assustadas e fragilizadas emocionalmente à espera da visita cotidiana de um médico, do médico que trará o prognóstico de sua doença.
As pessoas hospitalizadas têm seu caminho de vida interrompido: deixaram de trabalhar, deixaram de estudar, em um momento adoeceram, pararam e se encontram ali, no leito de um hospital, distante de sua casa, de sua família, fora da rotina de seu dia a dia e, muitas vezes, sozinhos. Essa situação é mais evidente, principalmente, em hospitais públicos, lugar dos mais pobres e desamparados, o que os torna ainda mais desvalidos e inseguros.
Diante da descoberta de doenças graves, como o câncer e a AIDS, por exemplo, diante de procedimentos médicos invasivos, como a retirada de órgãos ou a amputação de membros, pacientes são tomados pela ansiedade e o medo da morte se presentifica.
A permanência em um hospital constitui-se portanto como um momento de reflexão profunda, momento de revisão de vida e de considerações sobre o futuro. O que fazer quando voltar para casa? Será que a vida será a mesma? Poderei fazer as mesmas coisas que fazia antes?
Pacientes terminais, principalmente, costumam fazer uma retrospectiva de sua vida. Revêem o que construíram e se perguntam como ficará sua família quando eles partirem. Falam de mágoas, de perdão e procuram deixar tudo resolvido. Diante da proximidade da morte, alguns pedem para rever determinadas pessoas com a finalidade de perdoá-las ou de serem perdoados.
Nesses casos e nesses momentos, a presença do psicanalista no hospital se consolida. A estrutura emocional adquirida por meio de sua análise pessoal, longa e frequente, lhe respalda para lidar e aguentar o intenso sofrimento físico e psíquico dos doentes.
Muitas vezes, basta estar presente para amparar o paciente nesse mergulho interior e oferecer-lhe uma escuta atenta, acolher seus conteúdos mentais, guiando-se pela atenção flutuante. Estar disponível para a interlocução e o diálogo, permite ao paciente associar livremente e expressar sua dor. O atendimento pode ser realizado no leito, nos corredores ou em qualquer outro lugar do hospital onde a presença do analista é solicitada.
O constrangimento de alguns pacientes em falar de suas questões íntimas em lugares coletivos, próximos de pessoas que não conhecem, é visível pelo tom de sua voz, e procuram falar baixo. Na hora da medicação, a auxiliar de enfermagem chega com o remédio que não pode esperar. As visitas do médico também têm prioridade e o atendimento é interrompido. Diferentemente de um consultório, onde o psicanalista atende com hora marcada, situações inesperadas acontecem a cada instante e não existe privacidade. No hospital, analista e analisando estão expostos.
Ademais, trabalhar com uma equipe multidisciplinar, muitas vezes fragmentada na qual cada um age isoladamente, tendo o prontuário como único meio de comunicação para dar ciência do estado emocional do paciente aos outros profissionais, é uma dificuldade suplementar.
Como é, então, trabalhar com tantas variáveis? Condição sine qua non é a disponibilidade para ouvir, escutar e acolher a angústia do paciente com uma escuta qualificada e diferenciada. Mesmo com todos esses obstáculos, o psicanalista tem um papel fundamental dentro da instituição, pois pode fazer o paciente sentir-se cuidado, olhado, considerado e compreendido.
Por outro lado, as experiências vividas em instituições enriquecem o psicanalista e o habilitam para o trabalho no consultório, ampliando sua visão de mundo, possibilitando-lhe entender a história pessoal de cada um e tratá-lo de forma mais humanizada.
*Marília Ribeiro Alves é membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, membro do Núcleo de Psicanálise de Santos e região, possui especialização em Psicologia Clínica pela PUC- SP e especialização em Psicologia e Saúde – Psicologia Hospitalar também pela PUC – SP.
8 replies on “O psicanalista no hospital”
Muito obrigada Marília pela sua valiosa contribuição. Trabalho há 18 anos na área da psicologia hospitalar. Atualmente estou implantando o serviço de psicologia hospitalar no Hospital Vera Cruz em Campinas. Considero que a psicanálise favorece uma grande ajuda tanto para os pacientes quanto para as equipes multiprofissionais. Penso e repenso minha atuação cotidianamente e gostaria muito de compartilhar esta experiência com outros psicólogos que atuam com a psicanálise. Muito obrigada mesmo Marília. Abraços, Gisele
Muito enrriquecedor o artigo. Obrigada!
Sou psicanalista e aproveitei muito.
Olá! É impressão minha ou é nítida a dificuldade dos psicanalistas em se posicionarem como Psicanalistas? Me refiro especificamente aos Psicanalistas e nao aos psicólogos que se tornaram psicanalistas, pois esses se “apoiam” ao conselho de classe correspondente. Já observei pessoas que se tornaram Psicanalistas e que, por cobrança e insegurança acabou por cursar 5 anos de psicologia para ser “aceito” como Psicanalista. Esses sao casos isolados ou é uma tendência do sistema tentar a todo custo, fazer com que a Psicanálise fique entre profissionais da medicina? Pois é possível observar casos por exemplo, de planos de saúde que só reembolsa o cliente se a terapia tiver sido feito por um Psicólogo/Psicanalista. Enfim, que predomine os anseios de Freud, o de que nunca a Psicanálise fosse denominada “dessa” ou “daquela” “categoria”.
Abraço e Viva a Psicanálise! Viva Freud.
Muito interesante sou pscanalista e gostatia de prestar meu trabalho em hospitais
Gostei muito e revi-me completamente nesta visão do psicanalista em contexto hospitalar.
Obrigada pela partilha!
Me firmei em psicanálise holidtico, otima profissão. Mas, as pessoas não dão credito quando trabalhamos só.
Olá Dra Marília Ribeiro, sou de Fortaleza, preciso lhe falar.
Prezado Erivan, seguem os contatos da Dra. Marília Ribeiro:
Tel.: (13) 98202-4666
E-mail: mariliaralves@yahoo.com.br