Psicanálise em clínica extensa
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Por Leda Herrmann*
Estamos em crise? Esta pergunta compreende, como resposta, tanto um sim, como um não.
Argumentos para o sim. Segundo Fabio Herrmann, a crise de mercado, de pacientes em consultórios, que já se manifestava na Europa e nos Estados Unidos a partir do final dos anos 70, deveu-se ao estreitamento da Psicanálise do amplo espectro de uma ciência do desvelamento do sentido humano para uma psicoterapia de consultório privado. Esse estreitamento favoreceu e fortaleceu o desenvolvimento de uma técnica terapêutica que se alimentava da produção teórica sobre o sujeito psíquico que ela mesma configurava. Uma clínica padrão foi se padronizando e se repetindo malgré as pressões que as alterações do mundo em que vivemos vinham impondo ao homem e ao seu mundo.
No século 21, os pacientes de psicanálise nos trazem características peculiares. Há uma alteração no sofrimento psíquico, que passa a se expressar pela passagem ao corpo a ao ato – como nas crises de pânico, nas adições às drogas, e nas dietas. Sua maneira de se expressar constrói um discurso na forma de afirmações, com poucas perguntas, evidenciando a dificuldade própria dos dias de hoje da autoexploração interior.
Também é difícil escutar o outro e constatamos, nos pacientes, urgência pela velocidade em receber respostas para o que não foi sequer perguntado. A subjetividade se modifica diante dessas condições do mundo, mundo que se faz conhecer por meio de informações e propagandas midiáticas transmitidas velozmente e não mais de forma direta. Nossa técnica padrão passa a ser constantemente desafiada.
E o “não” para a crise?
Frente às transformações no e do mundo contemporâneo, constrói-se uma clínica que amplia seus modos para além do padrão, tradição nas análises regulamentadas institucionalmente para a formação de analistas. Trata-se de uma clínica que vem se transformando nos quesitos de setting em relação à frequência, uso do divã e mesmo ao consultório privado. Passam a fazer parte do cardápio de nossa clínica as análises de baixa frequência semanal e em circunstâncias pouco convencionais, como atendimentos por skype ou telefone, em hospitais e em outras instituições que, se apresentam alterações de técnica, não se desviam de nosso invariante: o método interpretativo com que Freud inventou a Psicanálise.
Para resposta pelo não, estou me valendo da extensão da clínica. As peculiaridades da clínica extensa deste século 21 não se restringem ao enquadre. Ela responde à demanda da sociedade e passa a estar presente em instituições diversas que não se limitam a hospitais ou outras da área de saúde. No entanto, não tenho dúvidas em reconhecê-la clínica psicanalítica por duas das condições com que se apresenta. Por um lado a clínica extensa realiza-se pela ação do método interpretativo, nossa marca, que dá vez ao conteúdo latente (também poderíamos dizer, inconsciente), suporte dos sentidos que se mostram diretamente por palavras ou ações; por outro, cumpre função terapêutica – a cura no sentido apontado por Freud em 1926 no seu texto “A questão da análise leiga”, de possibilitar ao paciente o uso de seus recursos internos que estavam, até então, inacessíveis por força de repressão.
*Leda Herrmann é psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e autora de Andaimes do Real: A Construção de um Pensamento, Casa do Psicólogo, 2007.
2 replies on “Psicanálise em clínica extensa”
Prezada Sra. Leda Herrmann
Quando leio algo que aponta lados, positivo ou negativo, algo me vem a cabeça sobre o período infértil que passei diante de uma psicanalista.
Isto equivale ao bordão que terminei por decorar: Você é quem sabe” ou “Você é quem está dizendo”.
Meu espírito de engenheiro pede respostas ou pelo menos um ou dois fatos que confirmem ou neguem uma experiência.
Havendo passado por uma coisa chamada neurastenia, com depressão e queda imunológica acentuada, sendo um simples funcionário com renda que não comportava duas sessões de R$300,00 de psiquiatria mais medicamentos e quatro sessões de R$ 150,00 reais cada no analista, resolvi concluir pelo seguinte: a) Existe uma crise SIM. b) Existe uma crise e é algo que nunca havia visto nos idos de 1970. c) É necessário uma resposta RÁPIDA que não existe. d) Vou tentar sair da crise.
Diante disso, resolvi dar ouvidos a uma madre conhecida: Pegue sol duas horas por dia, faça exercícios, coma uma maça antes de dormir, chame seus amigos para conversar e nunca abandone o trabalho.Tome o medicamento que recebeu de seu médico e conte comigo.
Resultado: Abandonei a terapia, nunca parei de trabalhar, escrevi trezentos e nove textos entre contos e crônicas descobrindo o poder da escrita além de 1400 desenhos que ilustram meus quatro blogs, acredite se quiser.
O que pude perceber: A concentração criativa é fundamental. O ato de fazer aquilo que um dia se fez e ficou esquecido é um santo remédio, a crise continua aí mas a arte, o ser, o criar, retiram a mente milagrosamente deste inferno tecnológico que estamos vivendo.
Da anedonia ao prazer por aquilo que um dia deixei pra lá em nome do dinheiro e da responsabilidade, este foi o caminho que encontrei amparado por seletos amigos, melhores que aquela terapia.
Respondendo ao texto: Concentrem-se profissionais na solução destas doenças letais que estão por aí. O que passei, não desejaria ao pior inimigo. Depressão é a morte em vida.
Caro Marcio,
Da crise da depressão à escrita publicada foi seu caminho de superação.
Não vivemos a vida em crise, mas enfrentamos crises quotidianamente. Quando ela nos toma quase que completamente em um determinado período, vivemos – como você escreveu – a morte em vida. É por aí que entramos nós os profissionais da Psicanálise, como o outro que por sua presença e escuta permite a saída de si, desse estado de morte em vida. Nem todos têm a chance, como você, de percorrer esse caminho com os próprios recursos, e o mundo em que vivemos, da aceleração da informação, está cada vez mais isolando o homem narcisicamente consigo. Sem o contato com o outro, que pode ser a escrita produtiva como o seu caso, não há o si mesmo para o mundo.
Muito obrigada pelo comentário.
Leda Herrmann