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Sándor Ferenczi – 150 anos (1873-1933)

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Desde março deste ano, nossa Sociedade conta com o Grupo de Estudos Sándor Ferenczi. A criação do Grupo foi o resultado natural de processo de desenvolvimento de seminários oferecidos em nosso Instituto e que formaram uma turma interessada na obra do autor húngaro, os quais intencionam restituir o seu lugar no movimento psicanalítico e desenvolver as ideias seminais que Ferenczi nos legou.

Na comemoração dos 150 anos de seu nascimento, os participantes do recente Grupo de Estudos, escrevem de forma coletiva este texto que é uma homenagem, apresentação e experiência de vivência grupal ao fazer algo que não é comum em nosso meio, ou seja, a produção coletiva de textos.  

Era início da pandemia quando para muitos de nós Ferenczi, psiquiatra e psicanalista, nos foi apresentado de forma concreta e necessária. Um de seus textos que circulou repetidamente entre os grupos foi “A elasticidade da técnica psicanalítica” (1928). Naquele momento, estávamos desamparados diante da radical mudança técnica que nos foi imposta. Ferenczi chegou assim, nos acompanhando com a palavra elasticidade, a qual oferece ideia de algo que se expande, mas não se rompe.

Era um momento de grande sofrimento. Pandemia, mortes, com a perda de objetos afeiçoados. Lutávamos para sobreviver aos lutos e incertezas. Encontramos em Ferenczi um autor que nos aproxima do humano, que restitui a emoção e o afeto, privilegiando mais o contato afetivo. Elementos estes que foram indispensáveis para atravessarmos esse período na clínica em que as vivências de terror diante do desconhecido não eram só do paciente, eram de todos nós que lidamos com a fragilidade da vida.

Sendo um clínico talentoso, criativo e sensível, Ferenczi trouxe grandes contribuições para o desenvolvimento da Psicanálise, destacando-se como um dos mais importantes psicanalistas da primeira geração. Colaborador, interlocutor e amigo próximo de Sigmund Freud, foi extremamente corajoso e inovador em suas pesquisas teóricas e clínicas. Buscou maior ampliação do conhecimento e aplicação do nosso método a um número maior de situações clínicas.

Por seu espírito crítico e inquieto, ficou conhecido como o “enfant terrible”, e posteriormente foi negligenciado e ignorado pelo movimento psicanalítico, muito mais por intrigas afetivas e pelos boatos, do que pela análise crítica de sua obra e experimentos. Assim Ferenczi caiu em um tipo de ostracismo. Sua obra só foi reunida e publicada muitos anos após sua morte, ocorrida em 1933. Muitos psicanalistas da SBPSP só recentemente entraram em contato com sua rica obra e têm se impressionado muito com seus pensamentos tão originais e inovadores para a sua época, assim como nós mesmos.

Representante típico da elite intelectual de Budapeste, Ferenczi era filho de livreiro judeu de origem polonesa, sendo que este participou com fervor da revolução de 1848, tornando-se editor militante, favorável à causa do renascimento húngaro. Deu ao filho predileto, o oitavo entre doze, uma educação em que prevalecia o culto pela liberdade e um gosto pela literatura e filosofia. Educado no espírito liberalista por um pai adorado, Ferenczi mergulhou nos estudos de medicina com a convicção, como os intelectuais da época, de que a Hungria deveria abandonar seus sonhos do passado para se transformar em um país moderno, semelhante às democracias ocidentais.

Escolheu fazer o curso de medicina em Viena. Em 1905, aos 32 anos de idade, após trabalhar no Hospital Saint-Roch, instalou-se em consultório particular onde atendia como clínico geral, neurologista e psiquiatra. Ferenczi era adepto da medicina social. Estava sempre pronto para ajudar os oprimidos, queria também escutar, socorrer e assistir os excluídos e marginalizados (Roudinesco, 1998).

Desde sempre se mostrou aberto aos debates promovidos pelas revistas de vanguarda da época sobre a emancipação das mulheres, liberdade sexual e das novas ciências do homem. Além disso, valorizando a ideia da bissexualidade característica da espécie humana, em 1906, num texto corajoso apresentado à Associação Médica de Budapeste, fez a defesa dos homossexuais. Atacou os preconceitos reacionários da classe dominante que consideravam os ucranianos degenerados e responsáveis pela desordem social. Assim podemos dizer que Ferenczi tinha uma visão de abertura política e um espírito subversivo e apaixonado pela liberdade e justiça.

Este posicionamento político se refletiu em sua obra, em que percebemos a proposta de uma clínica psicanalítica que proporcionasse um ambiente acolhedor para que o paciente expressasse livremente seus sofrimentos, pois defendia a não submissão deste ao analista e combatia todas as formas de opressão.

Suas atividades e habilidades se estendiam por várias áreas. Ele trabalhou como perito junto a tribunais, interessava-se por hipnose, espiritismo, telepatia, ocultismo, mitologia, drogas, fenômenos psicossomáticos e era erudito em filosofia e literatura. Sensível ao sofrimento de seus pacientes conheceu Freud em 1908 e se tornou seu discípulo mais próximo e maior colaborador no período de afirmação da psicanálise.

Por ser sensível ao sofrimento dos seus pacientes, procurando se ajustar à individualidade de cada um, Ferenczi ampliou o conceito de transferência e deu ao de contratransferência um lugar especial na teoria e prática analítica. Defendeu a ideia de que o interesse, a empatia do analista e a verdade é que amenizam o sofrimento do paciente.

Podemos deduzir de seus textos que ele foi precursor da intersubjetividade e da teoria das relações objetais, assim como dos estados primitivos da mente, antecipando o conflito edípico para desde o início da vida. Recolocou a importância do ambiente e dos cuidados dos pais para o desenvolvimento da criança. Ressaltou a importância da adaptação da família à criança, demonstrando como a criança mal acolhida pode ter incrementada sua pulsão de morte.

Também retomou o início da psicanálise ao destacar a importância do trauma e suas consequências na vida do indivíduo. Em seu texto “Confusão de línguas entre os adultos e a criança” (1933) deu nova compreensão para a situação de abuso sexual destacando a confusão de línguas entre a paixão do adulto e a ternura da criança. Descreveu o trauma em que a criança vive nessa situação e como é fundamental que o analista reconheça o sofrimento do paciente e não repita a insensibilidade que ocorreu no passado. Assim, as clivagens, fragmentação, identificação com o agressor e até mesmo alucinações e ideias suicidas podem ser expressos na análise.

Descreveu de que modo o analista que não está atento ao possível acontecimento real na vida do paciente, pode retraumatizá-lo por aquilo que denominou de hipocrisia profissional. É importante salientar que Ferenczi se refere a todos os que sofrem agressão e não só aos que sofrem abuso sexual.

Com as contribuições de Ferenczi, as aplicações e indicações para o tratamento psicanalítico se ampliaram. Ao afirmar que é o analista quem precisa se ajustar ao seu paciente e que isso acarretaria a necessidade de mudanças na técnica e na disposição afetiva do analista, aumentou para este a responsabilidade sobre a sua saúde e criatividade.

No dia 07/07/2023  comemoramos os 150 anos do nascimento de Ferenczi e é importante destacar que suas contribuições para a psicanálise têm influência até os dias atuais. Segundo Coelho Jr. (2004), André Green o considera pai de grande parte da psicanálise contemporânea, o que favorece o forte interesse sobre sua obra. 

Ferenczi acreditava que a relação terapêutica poderia ser mais eficaz se o analista acolhesse seu analisando de forma especialmente empática e que o grande móvel terapêutico se dá no relacionamento, muito mais do que nas interpretações que visam elucidar o passado.

Ao comemorarmos os 150 anos de seu nascimento, temos claro que a teoria ferencziana é necessária na atualidade, precisando ser conhecida e difundida, pois ilumina o trabalho do analista implicado. Consideramos que é ele quem retoma a ética do cuidado que imprime um tipo profundo de sensibilidade no tato e na compaixão para com quem sofre. A teoria inovadora desse autor nos ancora numa prática viva e humana da psicanálise e nos parece bastante essencial dar lugar a Ferenczi num grupo de estudos vinculado à Diretoria Científica da SBPSP. Deste modo, simbolicamente, Ferenczi retorna a IPA por meio de nossa sociedade. 

O grupo oficial da SBPSP se reúne mensalmente nas primeiras quintas-feiras do mês, às 20h. Assim, é com satisfação que hoje podemos dizer que está sendo restituído o lugar desse autor na comunidade científica psicanalítica da IPA. Nosso grupo estuda, mas também visa dar contorno às angústias dos que praticam uma clínica viva, não apenas pela técnica em si, mas pelo som da voz de cada colega que ecoa em nós. Um som que vem de dentro e é estimulado pela clínica pulsante baseada nas ideias de Ferenczi. 

Referências: 

COELHO JR., N. E. (2004). Ferenczi e a experiência da Einfühlung. Revista Ágora, 7(1), 73-85.
FERENCZI, S. (2011). A elasticidade da técnica psicanalítica. In Sándor Ferenczi, Obras completas (A. Cabral, Trad., Vol. IV). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1928).
FERENCZI, S. (2011). Confusão de língua entre os adultos e a criança, in Sándor Ferenczi, Obras completas, A. Cabral, Trad., Vol. IV). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1933).
ROUDINESCO, E. e Plon, M. (1998). Dicionário de Psicanálise. Jorge Zahar.

Grupo de Estudos Sándor Ferenczi*: Anièlle Travain, Cristina Cunha Hori, Juliana Glasberg Haim, Lenise R. Yamin, Luci Mansur, Luiz Tadeu Pessutto, Maria Inês Alves, Maria Márcia G. Leite, Marina Menita, Osvaldo Luís Barison, Sueli Zocal Paro Barison e Wadad Ali H. Leoncio.

Imagem: Sándor Ferenczi com Freud e colegas, no Congresso de The Hague, 1920 (Wikimedia Commons)

As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores.      

*formado por psicanalistas da SBPSP 



Comentários

One reply on “Sándor Ferenczi – 150 anos (1873-1933)”

Guilherme Knopp Leite disse:

Aos colegas psicanalistas da prestigiosa SBPSP _
Congrats pela originalidade desse grupo de estudos : visando a obra do Sándor Ferenczi !
E – atualizado ( citado ) nos escritos de André Green!

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