Winnicott, uma homenagem
Home Blog Winnicott Winnicott, uma homenagemRaros são os psicanalistas que nunca ouviram falar em Winnicott. Conhecer seu pensamento com profundidade requer estudo e experiência. Requer também o conhecimento das teorias que o antecederam. Vemos nos trabalhos escritos muitas referências a esse pensador da psicanálise. Na história do pensamento psicanalítico surgem novas teorias já que a investigação do psiquismo humano não tem fim e cada um dos teóricos deixa campos abertos para o desenvolvimento de novas teorias e novas concepções do psiquismo humano.
Há 127 anos, em 7 de abril de 1896, nascia Donald Woods Winnicott, em Plymouth, Grã-Bretanha. Viveu 74 anos e sua morte se deu em 25 de janeiro de 1971. Filho mais novo da família, tinha duas irmãs. Foi amado e valorizado por todos, o que lhe favoreceu capacidade criativa, empática e original. Estudou medicina e se dedicou à pediatria, atendendo milhares de crianças que lhe mostraram através da experiência que os problemas físicos estavam sempre relacionados a dificuldades emocionais. Viveu a Primeira Guerra como oficial médico estudante e quando voltou para casa percebeu que não lembrava mais de seus sonhos. Procurava algum livro sobre sonhos e acabou por encontrar o livro de Freud. Iniciou-se profunda ligação dele com a Psicanálise. Procurou a Sociedade Britânica de Psicanálise se submeteu a duas análises: com Strachey e, depois, com Joan Riviere. Winnicott teve dois casamentos, o primeiro com Alice Taylor e o segundo com Clare Winnicott. Trabalhou no Paddington Green Children´s Hospital durante 40 anos, e atendeu crianças traumatizadas pela guerra e por perdas, contribuindo com a reinserção destas na sociedade. Durante a Segunda Guerra, foi consultor do Plano de Evacuação Governamental, onde conheceu Clare Winnicott, sua segunda esposa que era assistente social e quem muito contribuiu com ele atendendo crianças traumatizadas em seus lares antes da guerra possibilitando o desenvolvimento de sua teoria sobre a tendência anti-social.
Não tiveram filhos e com isso lamentava o fato de não ser destruído pela nova geração que o sucederia. Os seus sucessores psicanalistas se encarregam de o fazer. Para criar é preciso destruir os objetos subjetivos. A capacidade do uso dos objetos e o sentimento amoroso implicam em sua destruição. Sua concepção sobre o ódio e agressividade é singular, necessitando a compreensão dentro do contexto de sua teoria.
Conheceu Melanie Klein com quem fez supervisão durante cinco anos e com quem aprendeu muito de sua teoria, mas logo começou a questionar algum dos seus conceitos e do uso destes pelos seus seguidores com quem Winnicott se correspondia. Foi criando sua própria linguagem e teoria a partir de observações. Havia dois grupos na Sociedade Britânica, o de Melanie Klein e de Anna Freud que entraram em conflitos e, assim, foi fundado um novo grupo que chamavam de Middle Group, ao qual foram aderindo vários psicanalistas.
Desenvolveu uma nova concepção do ser humano se referindo e observando as experiências primitivas do ser humano com repercussões no método psicanalítico. Dizia que havia diferentes tipos de psicanálises e que a psicanálise tradicional freudiana e kleiniana não abrangiam o alcance da psicose. Abordou a respeito do lugar da interpretação no método psicanalítico. Winnicott observou as crianças em sua clínica e se referiu à existência de agonias impensáveis em função de falhas ambientais quando o bebê está extremamente dependente da mãe. Via o processo do amadurecimento dentro da perspectiva da dependência absoluta, relativa e rumo à independência e assim, a visão de regressão se diferencia da regressão de Freud que considerava o desenvolvimento libidinal como central. A maturidade é processual.
Criou a teoria da Transicionalidade, através da qual foi primeiramente conhecido, a terceira área de experiência humana no processo de amadurecimento do bebê na relação com o ambiente, o espaço entre o bebê e a mãe. O gesto criativo e a espontaneidade ganharam destaque na constituição do ser do bebê. Chama de objeto transicional “a primeira possessão não-eu”, nem externo nem interno, fundamento da capacidade simbólica, do brincar e sonhar. Winnicott enfatizou a presença do paradoxo sempre presente no processo de amadurecimento chamando atenção para que não resolvamos e não desfaçamos os paradoxos. Designou essa área como espaço potencial resultante do processo de ilusão, conceito tão fundamental em sua teoria. Enfatizou a importância do ambiente no processo de amadurecimento do bebê. Fato sempre presente na história de um bebê, mas até então não investigado suficientemente, Winnicott se interessou e se centrou sobre o que um ser humano necessita para se desenvolver e para viver um processo de dependência até alcançar autonomia sendo si mesmo. A mãe está sempre devotada a seu bebê, preocupação materna primária. atendendo suas necessidades, inclusive a necessidade de rumar para a relativa independência. Desenvolveu seu pensamento sobre as questões psicossomáticas sempre considerando o corpo e o encontro corporal com a mãe. Neste encontro corporal, dizia, é onde se origina a sentimento de alegria. Corpo é comunicação. O psiquismo nasce no corpo com o processo de elaborações imaginativas do corpo. A qualidade da hospitalidade da mãe pode ser determinante na evolução do bebê rumo a integração, termo muito caro para Winnicott já que para ele, todo bebê nasce com potencial para integrar-se e para a criatividade. O paradoxo no processo de ilusão consiste em o bebê criar o objeto e a mãe precisando estar lá onde ele a cria, criação do objeto subjetivo. Sem esta ilusão o bebê não pode se desiludir e rumar para a constituição de si mesmo. Nas palavras de Tales Ab´Saber “A ilusão – vivida pelo bebê, mas ofertada pela mãe, se tudo der certo – é a confluência dos dois sentidos de um mesmo fenômeno, que pode ser entendido simultaneamente como expansão da alucinação ou como um valor da própria realidade que passa a existir para o bebê. O momento de ilusão será mais tarde ampliado como uma zona de ilusão criada entre o bebê e a mãe, onde outros objetos e experiências podem aparecer e habitar, e, depois, para além do seio, rumo ao mundo, vai fundar a noção paradoxal de sustentação mútua de subjetivo e objetivo, de onipotência e realização, de alucinação e de experiência, do valor subjetivo e do valor de realidade”. (pg.71)
Os estudiosos de Winnicott se familiarizam com os conceitos de self, ego, id, eu-não eu, instinto, pulsão, holding, handling, saúde, natureza humana, gesto, criatividade primária, personalização, realização, amor impiedoso, integração psique-soma, temporalidade, solidão essencial, desintegração e muitos outros. Não caberia aqui me referir a todos eles.
Diferindo em pontos nodais da concepção freudiana e kleiniana, não via sentido na teoria da dualidade das pulsões de vida e morte. Portanto sua visão de agressividade, inveja, ódio não são justificados na sua compreensão como primários e resultantes da pulsão de morte. As doenças e sofrimentos dependem da hereditariedade e do meio ambiente. O ser está sempre se dando na inter-relação com o ambiente, tanto que chegava a afirmar que essa coisa chamada bebê não existe. O bebê nasce com capacidade criativa, com potencial de forças de vida e a sexualidade faz parte dessa condição. Falhas graves do ambiente intrusivo e violador são determinantes na criação de sintomas, psicoses, depressão e todos os quadros patológicos.
Considerou a teoria da Posição Depressiva de Klein, que mais tarde modifica para o termo concern, capacidade de se preocupar. Dizia que foi o ponto mais significativo da teoria kleiniana.
Considerando a constituição da subjetividade e da singularidade humana, Winnicott expandiu ampla dimensão do universo da criança gerando transformações no método psicanalítico afirmando que antes do Complexo de Édipo muito caminho já se teria andado. Desenvolveu seu pensamento a respeito do bebê saudável nos possibilitando distinguir patologia de saúde. A vida cultural e a familiar sempre foram consideradas como determinantes no caminho da criança.
Na clínica psicanalítica Winnicott ampliou e abriu possibilidades para cada analista repensar sua singularidade, seu estilo, considerando a tradição e se tornando independente. Sua teoria é coerente com a prática clínica que transformou-se, incluindo as questões de manejo e de holding.
Em 1958 (pg. 404), dizia sobre o envelhecimento como um crescimento para baixo, “… tenho esperança de poder encolher até nos tornarmos suficientemente pequenos para passar pelo estreito buraco chamado morrer”, sacrificando a própria espontaneidade.
Winnicott criou sua própria linguagem e não queria formar um grupo de seguidores para que cada um pudesse ser si mesmo com sua presença viva como analista e como pessoa.
Cada teoria abre possibilidades para se criarem estereotipias. Quanto a Winnicott criou-se uma ideia de que sua teoria é sentimentalista. Quem interpreta desta forma não conhece a profundidade e a complexidade de sua concepção do ser humano.
Como afirma Roussillon: “… a contribuição de Winnicott vai além de um simples refinamento de nossa compreensão do psiquismo; ele revoluciona esta”. E “… um dos temas maiores de Winnicott é provavelmente o do ser – Winnicott introduz a questão do ser na psicanálise – às voltas com a questão de sua identidade, com a questão do paradoxo de uma identidade que, por ser uma questão da identidade do vivente, não pode ser idêntica a si mesma, presa entre um modo de presença oriunda dos determinantes do passado e um modo de advir, um potencial a cumprir, um ainda não vivido a tornar presente a si. O vivente é caracterizado por esse potencial de relação com o desconhecido de si, com o não advindo de si, com o imprevisto do advir.” (pg. 55, 56)
Bibliografia:
Ab´Saber, T. – Winnicott, experiência e paradoxo. S.P.:Ubu Ed., 2021
Roussillon, R. – Atualidade de Winnicott. Trieb (9):55,71 – 2000
Winnicott, D.W. – Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. R.J.: Imago, 2000
Marlene Rozenberg é membro efetivo e analista didata da SBPSP, membro da Diretoria de Cultura e Comunidade da SBPSP, docente do Instituto Durval Marcondes da SBPSP.
Imagem: Winnicott na celebração de 70 anos de Melanie Klein (Londres, 1952) – Fonte: Wikipedia
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9 replies on “Winnicott, uma homenagem”
Adorei seu texto, Marlene. Não é fácil fazer uma síntese e você destacou os pontos primordiais.
Parabéns.
Obrigada Thaís! Abraço!
Obrigada Thaís! Um abraço
Parabéns Marlene, pude acompanhar tamanho percurso deste grande mestre. Obrigada!!
Obrigada Emília!!! Abs
Excelente e merecida homenagem. Parabéns, Marlene, pela riqueza do texto.
Só quem conhece pode fazer uma síntese tão harmoniosa e integrada! Muito bom, parabéns!
Parabéns Marlene, você fez uma excelente síntese do pensamento inovador de Winnicott, que criativamente decolou e se descolou do pensamento de Freud e Klein. Winnicott foi um pioneiro ao enfatizar a importância da sustentação materna e familiar, ou seja, da qualidade da relação com o outro, na formação da pessoa. Essa mudança de enfoque revolucionou a compreensão do desenvolvimento humano. Antes, os problemas psíquicos eram imputados ao próprio indivíduo e/ou à sua genética. Com Winnicott valorizamos as influências relacionais que podem favorecer ou perturbar o desenvolvimento dele. Por isso mesmo, o pensamento winnicottiano também nos permite compreender por que boas relações humanas, psicoterapêuticas ou não, podem contribuir para a recuperação da saúde mental das pessoas. Marlene, desejo que você intensifique essa sua bem sucedida trajetória de informar a todos os interessados em psicologia e psicanálise sobre a relevância do pensamento winnicottiano.
Parabéns pelo texto tão bem articulado, ao mesmo tempo uma síntese primorosa da vida e obra de Winnicott. Podemos ler nas entrelinhas seu amor à psicanálise, sua seriedade e dedicação ao estudo. Adorei a lê-lo!